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Actividade autárquica do Bloco de Esquerda no concelho de Braga - Mandato 2005/2009


quinta-feira, abril 26, 2007

Prestação de contas - Intervenção de João Delgado

Dificilmente um documento de prestação de contas pode ser motivo de surpresas. Em princípio, estas estão reservadas para os planos e orçamentos, onde estão explanadas as linhas de actuação do município para o ano subsequente.
Mas da Câmara de Braga há sempre que antecipar o extraordinário e, mais uma vez, não fomos desiludidos.

Com efeito, não precisámos de ler mais de três linhas para ficar a saber que Braga continua na senda do desenvolvimento sustentável, privilegiando as políticas de desenvolvimento social. Confesso que quando li pela primeira vez esta entrada, cuidei de conferir na capa se estava mesmo a ler um documento da nossa autarquia. E estava.
Temi então ter perdido algumas faculdades e fui verificar aos compêndios se desenvolvimento sustentável era mesmo aquilo que pensava:
“Um desenvolvimento sustentável pressupõe a preocupação não só com o presente mas com a qualidade de vida das gerações futuras, protegendo recursos vitais, incrementando factores de coesão social e equidade, garantindo um crescimento económico amigo do ambiente e das pessoas. “

Posto isto, poderia concluir que estive desatento no ano de 2006, e que então o documento que aqui analisamos explicaria detalhadamente quais os passos dados para a sustentabilidade do concelho. E, logo na introdução, estão os temas em destaque: a abertura do Theatro Circo, o início da elaboração do projecto de renaturalização e ordenamento da zona ribeirinha do rio Este, as 4 Comissões Sociais de Freguesia e as 10 Inter-Freguesias, a requalificação da Rua D. Afonso Henriques e Largo de Sta Cruz, os estudos prévios do prolongamento do túnel da Avenida da Liberdade, a elaboração da Carta Educativa, o início da construção do Complexo Municipal de Piscinas Olímpicas, o projecto do Pavilhão Multiusos, a remodelação do Cartão Jovem Municipal, o protocolo para a instalação do Laboratório Internacional de Nanotecnologia e o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Quantas vezes é que disse projecto?

Nestes onze temas que a Câmara destaca, quatro estão em fase de projecto ou anteprojecto, um, o Theatro Circo, é obra de Sta Engrácia, que mal corria se não tivesse aberto em 2006, outro, o Laboratório Internacional, só com muita boa vontade se pode considerar da responsabilidade da Câmara. A carta educativa, jóia da coroa, necessita já de revisão, como vimos a propósito da Escola D. Luís de Castro.

Desenvolvimento sustentável? Tanto quanto sabemos o Rio Este não se encanou sozinho, nem as suas margens são um exemplo de desordenamento urbano por obra e graça do espírito santo. É da responsabilidade desta Câmara, sejamos claros. Tal como daqui a uma década estaremos, num espírito de desenvolvimento sustentável, a corrigir as asneiras que agora estão a ser feitas nas novas urbanizações e vias de circulação. E estaremos provavelmente a pensar o que fazer com a piscina olímpica, tal como agora a Câmara reza para que o Parque de Exposições entre em combustão espontânea, porque não faz ideia de que destino dar ao elefante branco, como muito bem foi catalogado logo à época da construção.

Mas este documento diz-nos também que tivemos toda a razão em votar contra a taxa máxima do IMI, aplicada de forma cega e sem qualquer preocupação de gestão urbanística, ou de minorar os custo da aquisição de habitação própria às famílias de menores recursos. Veja-se que a taxa de execução ultrapassa até o previsto, provando que no orçamento foram apresentados valores abaixo do realmente esperado, procurando esconder o assalto ao bolso do contribuinte.
Também confirmamos que há um desvio na execução da receita, porque o projecto Braga Digital não ata nem desata, nem são dadas explicações sobre o que está a correr mal.

Voltando à questão social, elogia-nos o Relatório a política de habitação. Mas de que falamos? Não há neste concelho centenas de famílias a viver em condições degradantes? Pensa mesmo a Câmara que as políticas que tem seguido, os investimentos que tem feito, são suficientes? Tivesse o Senhor Presidente a mesma paixão pelos bracarenses mais carenciados que tem pelo futebol, e certamente não teríamos bairros nesta cidade indignos de quem se gaba de possuir um dos melhores estádios do mundo.
Invadisse o senhor Presidente ministérios, como já invadiu relvados, protestando pelas injustiças sofridas pelos bracarenses mais necessitados, e decerto viveríamos numa cidade mais inclusiva, uma Braga para todos.
Mas não, não se trata de crítica destrutiva, tratam-se de prioridades, porque, sem dúvida, estaríamos aqui para aplaudir uma das melhores políticas de habitação do mundo, que manifestamente não é. E gostaríamos de ter por cá os mesmíssimos estudantes de arquitectura, não a olhar para um estádio cuja propriedade efectiva é de uma sociedade anónima, embora pago por todos nós, mas sim a contemplar bairros construídos com pés e cabeça, com preocupações de inclusão social e não como vergonhas escondidas do olhar dos visitantes.

No ponto ambiental, lendo em pormenor o o que se diz dos espaços verdes e jardins, verificamos que durante 2006 apenas foi construído um, mas para nosso azar, no interior de uma rotunda, em Real. É pouco, muito pouco como contributo para os objectivos da Agenda XXI Local.
Ao longo de duas páginas fala-se da Comissão de Defesa da Floresta mas, estranhamente, parece que o autor dos textos não esteve em Braga no Verão passado, não viu os fogos dentro da cidade, porque nem uma linha dedica ao assunto, quiçá de menor importância que a carreira do Sporting de Braga, essa sim com direito a menção no Relatório.

Quanto ao ponto relativo ao trânsito, não pode ser classificado de menos do que caricato, ao nomear em primeiro lugar o acesso ao Retail Park, um dos mais relevantes comprovativos de completa falta de sentido de gestão urbanística, ao não antecipar problemas que qualquer leigo curioso descortinou ao verificar que se pretendia enfiar o Rossio na Betesga. Veremos qual o resultado dessa genial solução da saída do Retail Park, justamente em cima de uma das curvas mais perigosas e acidentadas da circular.

Sabendo que os números são um tema geralmente árido para os não iniciados, não deixa de ser revelador das prioridades deste executivo uma breve análise do lado da despesa, uma vez que, como é sabido, além dos impostos municipais já referidos, pouco pode uma autarquia fazer para aumentar as suas receitas regulares. E note-se bem que falamos em receitas regulares, porque programas como o BragaDigital, que beneficiam de financiamentos específicos nacionais e europeus, poderiam ser uma fonte de financiamento melhor rentabilizada.
Sobre a receita realçamos apenas, como exemplo, que a poluição visual causada por toda a cidade, com a colocação de outdoors publicitários, não tem sequer compensação financeira, rendendo ao município uns escassos, no contexto do orçamento disponível, quinhentos mil euros. A seu tempo o Bloco de Esquerda apresentará propostas concretas para que a área urbana se torne livre desses apelos ao consumo, como já acontece, num movimento crescente em várias cidades por esse mundo fora, como é o caso recente de São Paulo.

Então sobre a despesa o que nos é dito? Que os encargos da dívida cresceram 7%, consequência natural do aumento das taxas de juro. É verdade, e dizemos mais, agravados pelo endividamento da Câmara, raramente por motivações louváveis.
Repare-se, como depois é escrito, candidamente, que as funções sociais são as que possuem maior peso no Plano Plurianual de Investimentos. E o que são essas “funções sociais”? 84% nos “serviços culturais, recreativos e religiosos”, uma forma eufemística de dizer que estão nas megalomanias do Theatro Circo e do Parque Norte.

Aliás, para terminar, continuamos sem resposta a uma questão simples e directa: quais são os custos anuais suportados pela Câmara na manutenção do novo estádio e quais são os custos da entidade que o utiliza praticamente a 100%?
Já sabemos que esta pergunta não vai ter resposta e, por isso mesmo, chamamos a atenção do senhor Presidente da Assembleia Municipal, para o que está escrito no Relatório de Avaliação do Estatuto do Direito de Oposição: que o direito de informação foi, e passo a citar, “concretizado nas sessões da Assembleia Municipal, no âmbito da informação por escrito pelo Presidente da Câmara acerca da actividade do Município, no período de informação destinado à prestação de esclarecimentos que os membros dos partidos da oposição entenderam formular, etc”. Então como se compaginam estas alegações com a prática do senhor Presidente da Câmara que, reportando-nos apenas ao passado mais recente, não responde a questões colocadas pelo Bloco de Esquerda, alegando não discutir empreitadas com quem delas nada sabe, ou, ainda, que os seus tempos de professor já lá vão?

Senhor Presidente da Assembleia Municipal: porque acreditamos na benéfica influência que Vª Exª pode ter sobre o seu companheiro de partido, pedimos-lhe que, se o entender por bem, promova uma sessão de reflexão conjunta, com o senhor Presidente da Câmara, sobre os valores fundamentais da democracia e os direitos das minorias e das oposições como seu componente fundamental.

Braga, 26 de Abril de 2007