Bloco critica Carta Educativa
Intervenção de João Delgado
Em 2002, no Relatório de Actividades de Educação podia ler-se que, e passo a citar, “reconhecendo a importância da Carta Educativa do concelho de Braga como elemento de planeamento e gestão educativa (...) a Câmara Municipal de Braga iniciou a elaboração da “Carta Educativa.
Foi constituída equipa de trabalho que iniciou as seguintes tarefas:
- Levantamento da rede existente através de inquérito remetido a todas as instituições
educativas do concelho
- Tratamento dos dados recolhidos
- Definição de territórios educativos
- Caracterização do concelho em termos de população, expansão urbana."
Já neste ano anuncia a Câmara ter efectuado diligências junto do Ministério da Educação no sentido de ser definida, em suporte legal, a matriz de execução e a comparticipação financeira para esta Carta Educativa.
Pois esta regulamentação está estabelecida em decreto-lei desde Janeiro de 2003, sendo de supor que o executivo, avançando para a concretização da Carta Educativa já com um ano de avanço, a apresentaria bem mais cedo.
Além do atraso, este foi também um processo que não teve o necessário debate público. Sabemos que, até por força da legislação, muitas entidades foram auscultadas, mas o debate não chegou ao comum dos cidadãos, aos pais, aos professores, aos membros desta Assembleia, que assim não tiveram oportunidade de contribuir com as suas críticas e sugestões. Recorde-se que a vereadora da Educação só compareceu na respectiva Comissão em finais do ano passado, apresentando, sem fornecer qualquer suporte documental, as linhas gerais do documento e, como agora sabemos, omitindo traços fundamentais do mesmo.
Da análise da Carta Educativa retemos a informação, apresentada de modo inocente, de que na educação pré-escolar, existe "complementaridade entre a rede pública (43%) e a rede privada e de solidariedade social (57%)", sendo estas, na sua grande maioria, IPSS's com ligações à igreja católica. Significa isto que os bracarenses não têm de facto o direito de ver os seus filhos iniciarem a sua educação escolar em estabelecimentos públicos, sendo forçados, em muitos casos, a optar pelo ensino confessional, em diferentes graus. Perante esta situação a Câmara Municipal cruza os braços, verificando-se nos últimos anos um aumento de 4,75% de alunos do pré-escolar no privado e uma regressão de 0,35% no público.
No primeiro eixo estratégico, em que se pretende reforçar e melhorar a quantidade do sistema educativo e formativo, um dos pontos referidos é o da adequação do ensino às necessidades do mercado e ainda que as escolas se deverão tornar mais autónomas e dotar-se de profissionais do saber. Perguntamos, então, em que estudo está fundamentada a afirmação de que "os docentes e a comunidade educativa em geral reclamam para as escolas uma maior autonomia de gestão, ou seja, poder de decisão em matérias como a da contratação de profissionais e a afectação de recursos"? O que retiramos destas intenções é a sugestão de uma municipalização ou mesmo privatização do ensino, a que nos opomos frontalmente, defendendo o sistema público de ensino como garantia do direito à educação.
Ainda a propósito dos docentes, assinala-se no objectivo A.2 que "a implementação das actividades extra-curriculares no sistema educativo implica a acontratação de profissionais qualificados". Estando de acordo com esta premissa, perguntamos então por que motivo a Câmara recruta estes docentes com contratos a prazo e lhes atribui o cargo de monitores? É com professores sem carreira, precarizados, que se pretende melhorar a qualidade do ensino exigir, como é dito na Carta, responsabilidades pelo sucesso ou insucesso obtido? Estamos em crer que é uma estratégia errada e que deve ser corrigida quanto antes. As actividades extra-curriculares vieram para ficar, e portanto os professores que as leccionam devem ser contratados de forma transparente, com estabilidade na carreira, para que possam desenvolver projectos educativos plurianuais de forma empenhada e segura.
Outro aspecto que nos merece um apontamento é o que concerne às comunidades de imigrantes a quem, citando, "deve ser facilitada a aprendizagem da língua portuguesa e conhecimentos da história de Portugal". Estando de acordo com este aspecto, fica esquecida a necessidade de proporcionar aos filhos dos imigrantes a aprendizagem da sua própria língua e cultura do país de origem, como reconheceu o Parlamento Europeu, por proposta do Bloco de Esquerda, ao aprovar uma resolução reconhecendo o direito à inscrição nas escolas públicas da UE dos filhos de imigrantes, mesmo quando estes são considerados ilegais, e adoptando uma perspectiva progressista do ponto de vista cultural e pedagógico para a sua integração, com respeito pelas suas línguas e culturas de origem. Esta resolução é justificada, entre outros aspectos pela consideração de que “a educação multilingue contribui para a compreensão das diferenças numa perspectiva intercultural, num momento em que cresce o número de jovens de segunda e terceira gerações com dificuldades em gerir a multiplicidade de dimensões que determinam a sua construção identitária”. Não se trata, afinal, de mais do que proporcionar aos imigrantes que escolheram Portugal para viver o mesmo que defendemos para os portugueses que vivem no estrangeiro.
O último aspecto que gostariamos de referir está relacionado com o Portal da Edaucação, que apresenta múltiplas valências. Sendo certo que o ensino formal atravessa uma mudança de paradigma, e que modalidades de aprendizagem mediada por computadores como o e-learning e a sua variante b-learning vêm sendo experimentadas por todo o mundo, cabe perguntar se é conhecida a realidade no concelho em termos de computadores e acesso á internet em casa. É que pelos dados que conhecemos não nos parece realizável, a curto ou médio prazo, esta aposta do ensino misto, com componente presencial e a distância, não só pelas referidas questões de ordem material, mas também pela autêntica revolução necessária em termos de formação de professores para a sua implementação.
Sendo estes os principais aspectos negativos que resultaram da análise do Bloco de Esquerda à Carta Educativa, não deixamos de reconhecer como positiva a anunciada aposta na requalificação do parque educativo, tanto em termos de infraestruturas imobiliárias como de recursos materiais e humanos. Exactamente por isso, e também porque a Carta é um documento fundamental para a gestão da educação no nosso concelho, o Bloco de Esquerda não rejeita a proposta apresentada.
Não poderia terminar esta intervenção sem lamentar que o conteúdo da Carta Educativa não tenha sido alvo de revisão competente, verificando-se que praticamente não há página sem um erro de sintaxe ou ortografia. Por isso nos parece fundamental que a Câmara assuma perante esta Assembleia o compromisso de efectuar nova redacção que não envergonhe todos os bracarenses.
Braga, 02 de Março de 2007
Grupo Municipal do Bloco de Esquerda
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